O clube dos amigos de Macedo
NUNO FOX
Acusação do MP diz que ex-ministro integrava uma rede de distribuição de favores a ex-sócios e amigos
Miguel Macedo é amigo de adolescência do empresário Jaime Soares e os
dois tratavam-se por “irmão”. Manuel Palos é amigo de António
Figueiredo, que é amigo de Maria Antónia Anes, a quem trata por
“Toninha”. Todos almoçavam e jantavam uns com os outros, as famílias
passavam férias juntas e partilhavam problemas da vida profissional e
pessoal. Este não é o enredo de uma novela, mas sim a essência da
narrativa do Ministério Público que acusou esta semana 17 pessoas no
processo dos Vistos Gold, um caso que atinge em cheio a cúpula do Estado
e envolve responsáveis políticos, policiais e administrativos.
É a primeira vez que um ex-ministro, um antigo
diretor de um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um chefe dos
registos e notariado e uma secretária-geral da Justiça são acusados num
processo judicial por crimes que vão da corrupção ao tráfico de
influências. Para a procuradora Susana Figueiredo, que utiliza a palavra
‘amigo’ ou ‘amizade’ 39 vezes ao longo das mais de 400 páginas da
acusação, Miguel Macedo usou o poder que o cargo de ministro da
Administração Interna lhe conferia para distribuir favores pelo grupo de
amigos. E dinheiro.
Segundo a acusação, Miguel Macedo, que era
um dos ministros mais fortes do governo de Passos Coelho e se demitiu
quando o caso se tornou público e por estar “diminuído politicamente”,
cometeu três crimes de prevaricação e um de tráfico de influências,
chegando a recorrer ao seu colega de governo Paulo Núncio.
No
início de 2014, Miguel Macedo telefonou ao então (e ainda) secretário de
Estado dos Assuntos Fiscais para que recebesse o seu amigo Jaime
Soares, que levou outro amigo, Paulo de Lalanda e Castro, dono da
Inteligent Life Solutions e antigo patrão de José Sócrates. Houve duas
reuniões. Uma com funcionários da ILS e outra com Lalanda e Jaime
Soares. Os empresários, que tinham um negócio com o Ministério da Saúde
da Líbia, queriam evitar o pagamento de €1,8 milhões de IVA, já que o
Ministério não era sujeito passivo e não pagava impostos.
Contactado
pelo Expresso, Paulo Núncio remeteu os esclarecimentos para uma nota do
Ministério das Finanças, segundo a qual, “como já referiu publicamente
no passado, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais reafirma que não
teve qualquer intervenção na decisão da Autoridade Tributária
relativamente à empresa ILS.” Mas não é isso que se lê na acusação. O MP
diz que Núncio sugeriu que envolvessem uma empresa líbia para evitar o
pagamento do impostos. Embora a decisão a favor da ILS tenha sido tomada
pela Autoridade Tributária — com base em documentação que as
autoridades não sabiam que era forjada — foi Núncio quem deu a notícia a
Macedo, que a transmitiu por SMS a Jaime Soares. “Aquilo está
resolvido.”
“Sempre a faturar”
Apesar destas imputações,
o secretário de Estado não foi acusado de qualquer crime e, conforme
frisa a nota das Finanças, “prestou os esclarecimentos que lhe foram
solicitados” apenas “na qualidade de testemunha”. O MP considerou que
não ficou provado que tivesse qualquer influência na decisão — ao que o
Expresso apurou junto de fonte da AT, terão sido os próprios
funcionários deste organismo, ouvidos várias vezes pela investigação, a
ilibar Núncio de qualquer pressão ou responsabilidade.
Macedo,
por seu lado, foi acusado de tráfico de influências por causas destes
dois telefonemas. O MP imputa-lhe ainda três crimes de prevaricação por,
alegadamente, ter ordenado a Manuel Palos que criasse a necessidade
fictícia de um oficial de ligação em Pequim de forma a favorecer os
negócios de Jaime Gomes, António Figueiredo e um novo amigo, Zhu
Xiadong, um empresário chinês que começou por comercializar produtos
orientais e depois se virou para o negócio imobiliário e para a
angariação de candidatos aos vistos gold: cidadãos chineses que pudessem
gastar 500 mil euros num imóvel. Quando foi nomeado um oficial, Macedo
enviou um SMS a António Figueiredo: “Sempre a faturar. Já dei a volta ao
assunto da China.” O ex-presidente do IRN, que se gabava de “abrir
todas as portas”, terá segundo o próprio MP, recebido cinco mil euros de
Xiadong a troco dos favores que fez. Uma fonte da defesa diz que os
dois arguidos negam que tenha havido corrupção e que o dinheiro se
destinou a pagar um negócio de vinhos.
O segundo crime está
relacionado com o favorecimento da ILS na atribuição de vistos a
cidadãos líbios feridos que iriam receber tratamento em Portugal e o
terceiro por ter dado conhecimento a Jaime Soares do caderno de encargos
para manter em funcionamento os helicópteros Kamov. Segundo a acusação,
Jaime Soares tinha ligação a uma empresa de aviação — a FAASA,
subcontratada pela Everjets, que conseguiu o negócio.
Miguel
Macedo, que não quis fazer qualquer comentário ao teor da acusação,
nunca recebeu qualquer compensação por todos estes crimes que o MP lhe
imputa. Com uma exceção: Zhao Xiadong, “para agradecer as mesuras de que
foi alvo”, ofereceu-lhe duas garrafas de vinho Pera Manca e três
volumes de tabaco. O ex-ministro não quis deixar de retribuir e através
do amigo Jaime Soares conseguiu que o presidente da FPF arranjasse dois
bilhetes para a final da Liga dos Campeões que se disputou no Estádio da
Luz entre o Real e o Atlético Madrid. Como dizem os chineses: “Fica
sempre um pouco de perfume nas mãos de quem oferece flores.”
OS PRINCIPAIS ACUSADOS
Miguel Macedo
Ex-ministro da Administração Interna
3 crimes de prevaricação de titular de cargo público
1 crime de tráfico de influências
3 crimes de prevaricação de titular de cargo público
1 crime de tráfico de influências
Maria Antónia Anes
Ex-secretária-geral da Justiça
2 crimes de corrupção
2 crimes de tráfico de influências
2 crimes de corrupção
2 crimes de tráfico de influências
António Figueiredo
Ex-diretor do Instituto dos Registos e do Notariado
4 crimes de corrupção
2 crimes de recebimento indevido de vantagem
1 crime de peculato
2 crimes de tráfico de influências
1 crime de prevaricação
1 crime de branqueamento
4 crimes de corrupção
2 crimes de recebimento indevido de vantagem
1 crime de peculato
2 crimes de tráfico de influências
1 crime de prevaricação
1 crime de branqueamento
Jarmela Palos
Ex-diretor do SEF
1 crime de corrupção
2 crimes de prevaricação
1 crime de corrupção
2 crimes de prevaricação
Juiz denunciado
A
procuradora Susana Figueiredo enviou ao Conselho Superior da
Magistratura uma participação contra o juiz desembargador Rui Rangel. Em
causa estará um eventual negócio com Eliseu Bumba, empresário e
secretário do Consulado de Angola, acusado no processo principal e que
terá pago a Rui Rangel uma viagem a Angola no valor de oito mil euros em
troca da elaboração de um livro jurídico. Os juízes têm regime de
exclusividade e não podem receber dinheiro de terceiros. Ouvido pelo
“DN”, Rui Rangel negou ter recebido qualquer dinheiro de Angola ou de
Eliseu Bumba. No processo há uma escuta a António Figueiredo, que se
queixa ao juiz Antero Luís de Rangel “receber pela porta do cavalo”.
Artigo completo em: O Expresso
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